
A trajetória de uma das maiores r eferências do balé brasileiro ganhou destaque na manhã deste sábado, em Vinhedo. A bailarina Ana Botafogo apresentou uma palestra no Centro de Educação Profissional de Vinhedo (Ceprovi), dentro da programação do 1º Vinhedo Dance Festival, emocionando estudantes e profissionais da dança ao relembrar momentos de sua carreira e refletir sobre os desafios da profissão.
Um dos ícones do balé clássico no país, a primeira bailarina do Theatro Municipal do Rio de Janeiro destacou que a vida de quem escolhe a dança exige dedicação extrema. “O bailarino é artista e também esportista. São ensaios diários, disciplina, controle emocional, além de formação intelectual e alimentação equilibrada”, disse.
Disciplina e superação
Ao narrar sua rotina, Ana Botafogo explicou que a preparação para o palco começa horas antes da apresentação, incluindo aulas, maquiagem, aquecimento e concentração. “Um minuto de dança é muito exaurido, mas os aplausos nos ajudam a respirar”, afirmou.
Ela ressaltou ainda que a profissionalização requer estudos constantes, conhecimento sobre a história do balé e atenção ao trabalho em equipe. “Não basta saber a coreografia, é preciso ter a coreografia dentro de si. O bailarino precisa entender o que cada coreógrafo busca”, completou.
Início da carreira e desafios
O contato com a dança surgiu na juventude, durante um período de estudos na França. Aos 19 anos, participou de uma audição para o Ballets de Marseille, de Roland Petit, iniciando ali sua trajetória internacional. Mais tarde, passou por experiências em Londres, enfrentando dificuldades burocráticas, até retornar ao Brasil, onde brilhou no Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
Entre suas principais interpretações estão clássicos como “Coppélia” e “Giselle”, que marcaram sua ascensão como primeira bailarina. Ana lembrou que nem sempre as portas estiveram abertas, mas destacou a importância de não desanimar. “É preciso trabalho e também sorte, além de aproveitar cada oportunidade que aparece”, disse.

Popularização da dança
Ao longo da carreira, a artista buscou levar o balé a novos públicos, participando até mesmo de desfiles de Carnaval e realizando parcerias com nomes como Carlinhos de Jesus. “Misturamos dança e música brasileira. Aprendi samba de gafieira e descobri um grande amigo. Foi maravilhoso emocionar pessoas em diferentes palcos”, contou.
Para Ana Botafogo, a dança é indissociável da cultura nacional, mesmo em um país marcado pelo futebol. “Estamos conquistando um lugar ao sol. Não tem como falar de dança sem falar de cultura”, concluiu.
O público presente era formado, em grande parte, por alunos de escolas de dança que participam do festival em Vinhedo, evento que promete se consolidar no calendário cultural do município.
Durante sua passagem pela cidade de Vinhedo, a bailarina Ana Botafogo conversou com o portal iG Vinhedo. Confira, abaixo, a entrevista:

O livro “Ana Botafogo: Palco e Vida” traz uma trajetória intensa no balé. Qual foi o maior desafio ao transformar essa história de palco em palavras escritas?
Bom, primeiro, eu acho que a quantidade de eventos e de dança que eu fiz, talvez esse tenha sido o maior desafio. O livro foi feito através da imprensa, com referências de cada espetáculo que eu apresentei. Se algum não tinha registro na imprensa, ele não entrou. Foi uma maneira de garantir a veracidade de tudo que está lá, seja por críticas ou reportagens.
Quem escreveu foi meu pai. Eu apenas lia, fazia ajustes e dava esclarecimentos. É um livro de pesquisa, um panorama de mais de 40 anos de dança, não só no Rio de Janeiro, mas em todo o Brasil.
Precisamos reduzir o conteúdo. Ele chegou a ter mais de 900 páginas, mas originalmente teria bem mais. Um mesmo espetáculo tinha várias críticas e tivemos de escolher apenas uma ou duas, senão corríamos o risco de virar uma obra em dois volumes e ninguém ler. No fim, o livro traz um histórico muito preciso da minha vida no palco.
Hoje, com redes sociais e plataformas digitais, talentos do balé podem ganhar visibilidade de forma diferente das gerações anteriores. A tecnologia ajuda ou atrapalha na descoberta e formação de novos bailarinos?
Acredito que ajuda muito. Eu sou de uma geração sem essa visibilidade digital. Minha carreira foi divulgada pela imprensa falada e escrita, pela TV e pelos jornais. Não havia fotos digitais, nem celulares com câmera. No Theatro Municipal, inclusive, era proibido registrar imagens. Por isso tenho poucos registros daquela época.

Hoje é diferente: em um toque vemos o que acontece em Paris, Londres, Moscou. Antigamente eu esperava um vídeo ou lia livros. Tive a oportunidade de viajar para estudar, porque era a única forma de estar perto da história.
Agora, não é mais preciso sair de casa para acompanhar o que acontece no mundo — muitas vezes em tempo real. Projetos transmitem balés no cinema, e isso é maravilhoso.
Além disso, é possível fazer cursos on-line, algo que parecia impossível, mas que a pandemia tornou realidade. Muitos ainda seguem assim até hoje
Na palestra “Vida de Bailarina”, qual principal mensagem que quer deixar aos jovens bailarinos de Vinhedo?
Primeiro, que a dança é para todos: crianças, adultos ou pessoas com mais de 60 anos. A dança faz bem em qualquer idade. Agora, para quem quer se profissionalizar, é preciso performance, foco, aulas diárias. O bailarino é atleta e precisa treinar como tal. É disciplina, resistência e dedicação. O palco é maravilhoso, mas não existe sem trabalho árduo.
Como jurada do Vinhedo Dance Festival, o que pesa mais na avaliação: técnica, interpretação ou emoção?
Eu julgo o balé clássico. O primeiro ponto é a técnica, levando em conta a faixa etária e o nível esperado para cada idade. Mas a dança não é só técnica: é também arte. Então analiso a interpretação, a emoção, a fluidez dos movimentos e a musicalidade.
Nos balés de repertório, do século XIX e início do XX, é fundamental manter coerência com a coreografia original, sem modificações exageradas. Observo a precisão dos passos, o uso do espaço cênico e a performance como um todo.
O que a levou a aceitar o convite para participar do 1º Vinhedo Dance Festival?
O que me move é estar perto dos jovens e incentivá-los. É muito bom ver mais um festival acontecendo, porque é uma oportunidade para os bailarinos mostrarem seu trabalho.
Mas o mais importante é o processo: as aulas, os ensaios, a convivência com colegas e professores. Isso forma o caráter, a disciplina e a capacidade de trabalhar em equipe, qualidades que os acompanharão pela vida — mesmo se não seguirem a carreira de dança.
Aceitei o convite para apoiar o festival, para estar próxima dessa juventude apaixonada pela arte. O Brasil é um país dançante, com tantos jovens querendo subir ao palco, e é maravilhoso poder incentivar esse movimento.