
Beatriz Jacob Milani, estudiosa da cannabis medicinal
Segundo a Organização Mundial da Saúde ( OMS), quase 30% da população mundial vive com dor crônica — uma condição persistente, muitas vezes invisível, que compromete profundamente a qualidade de vida. O portal iG Vinhedo conversou com a pesquisadora Beatriz Jacob Milani, especialista em cannabis medicinal. Ela explica por que os compostos derivados da planta têm ganhado destaque no tratamento desse tipo de dor e defende uma abordagem mais informada, segura e individualizada para quem sofre com esse problema.
O que define, afinal, a dor crônica?
A dor crônica é aquela que persiste por mais de três meses. Ela pode ter várias causas: doenças como artrite, fibromialgia, endometriose, neuropatias, hérnias de disco ou mesmo ser consequência de traumas e cirurgias. Diferente da dor aguda, que tem início e fim bem definidos, a dor crônica tende a resistir aos tratamentos tradicionais. E é justamente por essa resistência que ela se torna tão desafiadora e impactante na vida das pessoas.
Por que você chama a dor crônica de uma “epidemia silenciosa”?
Porque ela está por toda parte, mas é pouco visível. Quem sofre com dor crônica lida com prejuízos no sono, no humor, na produtividade e nas relações sociais, mas muitas vezes isso não é compreendido pelas pessoas ao redor. Além disso, é uma condição que consome recursos dos sistemas de saúde e exige tratamentos de longo prazo. A dor crônica não é só um sintoma; é uma condição complexa, multifatorial, que precisa ser reconhecida como tal.
Nesse contexto, como entra a cannabis medicinal?
A cannabis medicinal vem se mostrando uma alternativa promissora. Os principais compostos da planta — o canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabinol (THC) — atuam no sistema endocanabinoide do corpo humano, que regula funções como dor, inflamação, sono e humor.
O CBD é mais conhecido por seus efeitos anti-inflamatórios e moduladores da dor, mas o THC também tem um papel importante, especialmente em casos de dor mais severa. Juntos, eles podem oferecer alívio com menos efeitos colaterais do que muitos analgésicos convencionais.
Ou seja, não é só o CBD que importa?

Exatamente. Embora o CBD tenha se tornado mais popular, ele não é a única molécula relevante. Em muitos casos, o THC é indispensável para o controle efetivo da dor. A planta possui uma gama de canabinoides, cada um com propriedades distintas, e é o equilíbrio entre esses compostos que gera os melhores resultados terapêuticos. Por isso, é fundamental que os pacientes recebam orientação médica adequada.
Quais os cuidados que devem ser tomados no uso da cannabis medicinal?
O primeiro ponto é: nunca faça automedicação. A prescrição precisa ser individualizada, com ajuste de doses, acompanhamento constante e dentro dos parâmetros legais. Cada paciente tem um histórico clínico único, e o uso correto dos canabinoides pode ser transformador — mas precisa ser feito com responsabilidade. Quando bem conduzido, esse tratamento é seguro e pode ser um divisor de águas na vida de quem vive com dor crônica.
Apesar disso, ainda existe muito preconceito. Por quê?
O estigma vem da associação histórica entre a cannabis e o uso recreativo ou ilícito. Mas quando falamos de uso medicinal, estamos tratando de ciência, de evidência, de qualidade de vida. Infelizmente, essa confusão ainda impede muitos pacientes de acessarem um tratamento que pode ajudar — muitas vezes, depois de terem tentado de tudo. É urgente romper com esse preconceito. Informação e educação são as chaves para transformar essa realidade.
A legalização e os avanços científicos têm ajudado a mudar essa visão?
Sim, sem dúvida. O Brasil tem avançado na regulamentação e no acesso a produtos à base de cannabis, e o debate está mais qualificado. Mas ainda temos um caminho longo a percorrer, especialmente na formação de profissionais da saúde e na conscientização da sociedade.
Precisamos garantir que mais pessoas saibam que esse é um recurso válido, respaldado pela ciência e seguro quando utilizado corretamente.
Por fim, qual recado você deixa para quem convive com dor crônica?
Que não perca a esperança. A dor crônica pode ser invisível, mas ela é real, e há formas de lidar com ela. A cannabis medicinal pode ser uma aliada importante, desde que utilizada com orientação adequada. Procure informação de fontes confiáveis, converse com médicos capacitados e lembre-se: você não está sozinho.