
Era uma manhã ensolarada , dia 23 de abril de 2025, em Vinhedo . Uma quarta-feira típica do outono brasileiro , com o céu azul e o ar fresco do interior paulista, fui recebido na chácara de Mariangela Storani . Aos 75 anos, cabelos brancos, olhos azuis e um sorriso generoso, fui acolhido com um café passado na hora, feito com grãos colhidos ali mesmo, em suas terras. Em volta da mesa, espalhados entre xícaras e recordações, estavam livros antigos, fotos amareladas e recortes de jornal que narram mais do que histórias familiares — contam parte da história de Vinhedo e do Brasil .
Neta de Benedito Storani, um dos precursores da antiga Rocinha, Mariangela é a guardiã de uma herança que ajudou a moldar o município. Benedito chegou ao Brasil em 1888, desembarcando no Porto de Santos, e logo fincou raízes em Jundiaí e depois na região onde hoje está Vinhedo. Teve fazendas de café, como a Fazenda Bonifácio e depois a Fazenda Japi, produziu lenha para abastecer tecelagens, e em 1925 fundou a Tecelagem Storani, a primeira grande indústria local. Para abrigar os operários, construiu a Vila Storani — 80 casas que deram origem a uma comunidade inteira. Além da tecelagem, investiu também em fábricas de telhas e tijolos, sempre com o olhar voltado para o crescimento e a modernização da cidade.
Símbolos e raízes: a bandeira, o portal e o café

Mas o legado dos Storani não ficou apenas na produção e no desenvolvimento econômico. Em 1979, a jovem Mariangela Storani, aos 29 anos, venceu um concurso promovido pela Prefeitura de Vinhedo para criar a bandeira oficial do município. Arquiteta e relações públicas, ela desenhou um símbolo que representa o povo vinhedense com orgulho. A bandeira traz faixas pretas verticais que remetem às vias de acesso e ao progresso; a folha de videira ao centro reforça a tradição vitivinícola da cidade; as cores — vermelho, verde e branco — expressam coragem, esperança, paz e harmonia.
O projeto foi oficializado pela Lei nº 905 de março de 1979 e, mais de quatro décadas depois, segue tremulando como um dos principais marcos visuais da cidade. Em 2025, a Câmara Municipal aprovou a criação do "Dia da Bandeira de Vinhedo", a ser celebrado em 29 de março, valorizando esse símbolo que Mariangela presenteou à sua terra natal.
Entre goles de café e memórias que atravessam gerações, Mariangela compartilha não apenas histórias, mas o sentido de pertencimento e amor por Vinhedo — cidade que carrega, nas veias e nos tecidos de sua bandeira, a força de uma família que ajudou a construí-la.
A seguir, trechos da nossa conversa:
Você nasceu em Vinhedo?
Nós nascemos em Campinas, porque aqui não tinha hospital. Eu, meu irmão mais velho José Benedito, o Humberto, a Fernanda Regina… todos nascidos lá. Mas a vida mesmo era aqui. A fábrica, as viagens, lembro de uma infância com muitas facilidades. Meu avô chegou a construir um prédio com seis apartamentos em Santos. Íamos de carro, acompanhados de empregados.
Como era a vida familiar naquela época?
Era tudo muito unido. Meu pai trabalhava muito, e a religião era parte do nosso dia a dia. A minha mãe era muito católica, rezava o terço em toda casa que ia. Desde pequena, fui interna em colégio de freiras em Campinas, e meus irmãos estudavam no Liceu Salesiano. O sonho da minha mãe era que saísse um padre e uma freira da família.
E seu avô, Benedito Storani, qual era a história dele?
Ah, ele era um visionário. Chegou da Itália em 1888, com oito anos, no navio Malabar. Trabalhou em fazendas de café na região de Campinas e Capivari, até se fixar em Jundiaí, onde já tinha família. Começou vendendo pão e macarrão que a minha avó fazia, e foi plantando milho, feijão, de tudo. Era muito politizado, tinha visão de negócios.
Foi assim que ele chegou em Vinhedo?
Sim. Ele ficou sabendo que a Fazenda Bonifácio estava à venda por causa de dívidas de jogo. Comprou no "fio do bigode", sem dinheiro, só na confiança. Durante a crise de 1929, enquanto muitos destruíam as lavouras de café, ele manteve a produção. No ano seguinte, se reuniu com outros produtores, definiu preços, pagou as dívidas e comprou mais terras. Chegou a ter 500 alqueires, onde hoje é o Jardim Japi.
Ele também se envolveu com indústria, né?
Sim. Em 1930, com a industrialização, comprou máquina de tijolo, montou usina de açúcar e álcool, e junto com a família Mateus fundou a fábrica de tecidos aqui em Vinhedo, perto da linha do trem. Essa fábrica, mais tarde, passou a fabricar uniformes para o Exército. Hoje o prédio é alugado para o Colégio Sant’Ana.
E como foi que você criou a bandeira de Vinhedo?
Foi meu irmão quem me contou do concurso. Eu nem sabia. Ele falou: “faz você”. Fiz e coloquei o nome dele, achando que não ia dar em nada. Mas ganhei. Lembro até hoje da surpresa: “Será que é verdade?” A comemoração foi no Centro de Convivência, teve premiação e assim a bandeira foi registrada oficialmente.
Como você vê a bandeira hoje?
Quando olho, digo: “É minha”. É limpa, leve, fácil de ver e ler. Fico feliz, é uma ligação emocional muito forte. Ela representa a história da minha família, de tudo que a gente construiu aqui. E agora vão criar o Dia da Bandeira de Vinhedo, depois de mais de 40 anos. Isso me emocionou.
Além da bandeira, você também participou da criação do Portal da cidade, certo?
Sim, fui a arquiteta responsável pelo desenho final do Portal de Vinhedo, aquele que todo mundo vê quando chega. Foi também na gestão do José Carlos Gasparini, assim como a bandeira. São marcos da cidade, e fico orgulhosa de ter contribuído com os dois.
Seu envolvimento com o café vem dessa ligação com o legado familiar?
Com certeza. Trabalho com café há nove anos, tanto aqui em Vinhedo quanto em Jundiaí. Não posso menosprezar o que meu avô e meus pais fizeram. Resolvi investir. Tenho quatro alqueires plantados aqui, tudo orgânico, só com compostagem. Já fiz quatro colheitas.
Como é o processo do seu café?
É Catucaí 2SL, tem dulçor natural. Eu seco, ensaco, levo pra Bragança Paulista. As duas primeiras colheitas foram para o Brasil Expresso Jundiaí e chegaram até Copenhague. Também vendi para Poços de Caldas, pra exportação. Quem faz a torra é o seu Antônio, de Jundiaí — foi diretor da Melitta por 34 anos. Ele torra e mói com cuidado, mantendo o óleo natural do café.
Você tem orgulho desse trabalho?
Muito. Se eu planto bem, se eu seco bem, o torrador tem que ser mestre. E ele é. Tenho que valorizar e agradecer. É um ciclo completo, e faço tudo com carinho, respeitando a natureza. Continuo o que aprendi com minha família — trabalho, fé e cuidado com o que se constrói.
Quem tiver interesse em adquir os produtos, pode se dirigir a Feira do Produtor Rural, que acontece nas manhãs de todos os domingos, na Represa I, em Vinhedo.
Outra opção é na feira que acontece no Condomínio São Joaquim.
O Instagram é: @fazendabonifaciocafe